Pele inabitável

Liu Gerbasi
1 min readDec 4, 2020

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Deixou os sapatos para trás. Foi andando e escorrendo tentativas de ficar, deixando pelo chão tanta coisa invisível que a lembrava de si mesma. As ruas sem asfalto desandavam os passos já meio tortos, mas nada que a pusesse em qualquer outra direção. Sem saber ser qualquer outra coisa que não um desacontecimento inteiro, parou quando os pés viram água. Fechou os olhos. E foi naquele entre que seu corpo se rendeu a tudo o que um dia a impediu de andar até onde pudesse desaguar. Ela correu até a praia sufocada em choro preso, sentou na areia e se sujou de maré alta. Ali ficou por um instante ou três, pensando que tudo que ela havia guardado por tanto tempo ardia dentro dela, no mais absoluto silêncio. Seus cabelos bagunçados pelo vento do mar, criaram vida, limparam suas lágrimas. E lá ela ficou, na beira d’água, encaixada na areia, pertencendo àquele lugar como nem a si mesma pertencia. Ela olhava pro horizonte, contra o vento, olhando pras águas como quem vê gente. Adormeceu em poesia, e foi levada pelas ondas, rumo ao oceano do mundo…

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